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17 de Maio de 2024

Enfim, o transporte público não será (e nunca será) grátis

Publicado por Liberdade Juridica
há 10 anos

Por Anthony Ling

A cidade de Hasselt, na Bélgica, era um dos modelos de cidades com tarifa zero de ônibus mais mencionados pelos integrantes do Movimento Passe Livre. No entanto, em abril deste ano, após 16 anos sem cobrar tarifas de ônibus, a cidade estabeleceu uma tarifa fixa de 0,60 euros (cerca de R$1,50). O motivo declarado foi uma simples necessidade econômica: com o aumento de usuários, o custo de manutenção do sistema, passou de 967,000 euros em 1997 para 3.5 milhões de euros em 2007, insustentável para os subsídios que estavam recebendo do governo federal.

Muitos consideram o modelo da cidade um sucesso pois teve um aumento de dez vezes no número de usuários de ônibus. No entanto, vários outros projetos foram feitos além da isenção da tarifa. A rede aumentou de 2 para 9 linhas, além de ter um grande aumento na frequência dos ônibus. Corredores de ônibus foram criados para terem vantagem sobre os carros. Todos os ônibus foram adaptados para idosos. O anel viário que limita a região central foi reduzido, criando uma ampla ciclovia e faixa de pedestres. 800 vagas públicas de estacionamento na cidade foram eliminadas e as demais começaram a ser pagas. Assim, sendo o projeto a realização de um grande plano de mobilidade, é difícil controlar as variáveis para saber qual foi o impacto isolado da tarifa zero no aumento de passageiros.

Logo antes de Hasselt declarar o projeto insustentável, Tallinn, capital da Estônia, introduziu a tarifa zero. Com apenas meio ano de uso, muitos já cantam a vitória, declarando-o um sucesso absoluto. Alguns, ainda, como o Juan Lourenço, em postagem para o blog Papo de Homem, defendem equivocadamente a proposta, dizendo que a medida reduzirá 12 milhões de euros no orçamento público, enquanto este valor na verdade representa o valor necessário para o governo subsidiá-lo. A estratégia fiscal da cidade para a implementação é praticamente uma "verba de marketing": a cidade pretende usar o imposto de renda dos novos moradores, que seriam atraídos para a cidade pelo aumento da mobilidade, para subsidiar o sistema. No entanto, novos moradores também precisam dos outros serviços públicos, que muito possivelmente criarão problemas orçamentários no futuro. A verdade é que ainda é muito cedo para dizer o quanto o projeto de Talinn é viável, mas uma coisa é certa: os recursos virão de impostos.

Não existe almoço grátis. Os recursos sempre vão ter que sair de algum lugar, e a dificuldade de uma economia planejada é justamente saber identificar demandas e alocar estes recursos de forma eficiente. Afinal, não podemos esquecer das outras áreas de atuação do governo: educação, saúde, segurança, infraestrutura, etc. Muitos alegam que se o governo simplesmente fosse mais eficiente na sua gestão, diminuindo corrupção e regalias auto-concedidas, o dinheiro dos impostos poderia subsidiar programas como este com sobra. Mas a lógica de eficiência na gestão é uma do setor privado, na sua busca para terminar a gestão com lucro. O setor público, caso faça uma gestão menos eficiente, tem a carta coringa de aumentar impostos, simplesmente alegando que faltam recursos para investir em uma determinada área. E caso os impostos fiquem altos demais, com serviços públicos sendo distribuídos "de graça", o cidadão terá incentivos para trabalhar menos ou até emigrar do país, gerando menos impostos e a consequente quebra do ciclo.

Existe também a alegação de que projetos governamentais como este mitigam externalidades, economizando recursos perdidos no trânsito, tendo benefícios com o projeto ao longo do tempo. No entanto, é uma justificativa arriscada já que o projeto sempre estará à mercê do inesperado, com chances de falhar. Será que o ganho chegará mesmo aos R$4,5 bilhões arrecadados atualmente com os bilhetes? Em São Paulo, especialistas estimam que os custos gerados pelo congestionamento giram em torno de R$7 a 8 bilhões (outros ainda estimam o valor de R$40 bilhões), e sabemos que a tarifa zero não vai resolver o congestionamento sozinha. Também já aprendemos que em Hasselt os benefícios mencionados não foram unicamente devido à tarifa zero. E que consequências sofrem os responsáveis caso elas não forem atingidas? Praticamente nenhuma.

Lembremos que as mesmas justificativas de eficiência do planejamento centralizado foram usadas na fracassada Brasília, que dizia ter atingido o urbanismo ideal. E embora o sistema de concessões não funcione bem, por problemas de incentivos parecidos, há alternativa à ambos modelos, como o sistema de transporte descentralizado e privado de Lima. Na capital peruana 80% da população anda de transporte coletivo, com amplo acesso às periferias e com tarifas equivalentes à R$0,75. Lá, a concorrência entre os atores gera tais incentivos para tal eficiência. Impostos diretos para este sistema nem mesmo são necessários, já que o governo cria apenas a plataforma legal e física (as ruas e calçadas) para que ele funcione. E ao exercer o poder do consumidor de apenas escolher o melhor serviço, ou a atitude empreendedora de criar alternativas às existentes, manifestações públicas se tornam desnecessárias.

Ontem à tarde, em São Paulo [N. E.: o texto foi publicado originalmente em 20.6.13], o Prefeito Fernando Haddad e o Governador Geraldo Alckmin anunciaram a redução das tarifas de R$3,20 para o valor anterior, de R$3,00. Alguns manifestantes do Movimento Passe Livre entraram em prantos de felicidade com a notícia. A grande manifestação de hoje será substituída por uma grande festa, embora o modelo de concessões, criticado pelo grupo, permanece. O plano financeiro do estado para viabilizar a manobra será de zerar as alíquotas do ICMS e do ISS das empresas de transporte, que continuarão recebendo subsídios e repassarão estes incentivos às tarifas. No entanto, esta diminuição na arrecadação impactará outras pontas do orçamento público, e nada indica que este impacto será no sentido de diminuir a corrupção e tornar o governo mais eficiente. O projeto está agora nas mãos do senador Lindbergh Farias, o mesmo que teve sigilo bancário quebrado por transações suspeitas que chegam a R$ 300 milhões, da época em que era Prefeito de Nova Iguaçu. E todos estão comemorando.

Fontes:

Advantages and disadvantages of free public transport services, Torsten Belter, Maike von Harten, Sandra Sorof (TU Dresden)

Subsidies in Public Transport, Cees van Goeverden, Piet Rietveld, Jorine Koelemeijer, Paul Peeters

Hasselt cancels free public transport after 16 years (Belgium) - Eltis

Soluções para o trânsito: transporte público gratuito, a loucura que já existe - Papo de Homem

Is free public transport sustainable? New Covenant of Mayors video in Tallinn


Publicado originalmente no rendering freedom

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Sonegar imposto é errado? Nem sempre. No Brasil, é legítima defesa.

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Desregulamentar o setor e permitir a entrada de novas empresas concorrentes nas linhas intermunicipais / municipais afim de promover a concorrência, acabar com os conchavos e melhorar a qualidade dos serviços é um dos debates mais importantes da atualidade, sem duvida. continuar lendo

Com certeza, Victor. Vale lembrar que, com a recente Lei nº 12.996/2014, o monopólio foi quebrado para o transporte coletivo interestadual de passageiros, que agora só depende de autorização administrativa. Esperemos que os municípios brasileiros tomem medidas similares quanto ao transporte urbano... continuar lendo

Com todo respeito ao Liberdade Jurídica, pois que fala o que é, em tese, correto, isto é, depende de que país falamos.
Eu moro em um município onde após longos anos de acusações à "Vivo" que, de fato, deixa só a desejar vim a descobrir que a administração pública do município deve proporcionar determinadas "coisas" que os executivos da operadora dizem não poder comentar e não o fazem porque alguém ou alguns não tem a (digamos, contra partida) e assim, por anos a fio, temos o pior serviço dentre os piores do país em celular, telefonia fixa e Internet.
Portanto, em lugar do monopólio eliminado por lei, obtivemos o mais nojento empecilho sorrateiro e silencioso que se conhece e nada mudou ou, de verdade, ficou muito pior e os "coronéis" da cidade estão por cima e nada se faz. continuar lendo

Tudo tem um custo que gira em torno da capacidade econômica, até a Bélgica caiu na realidade.
Portanto, mudanças meramente políticas são um círculo vicioso que acabam estourando no bolso dos usuários. continuar lendo

Transporte como direito e sendo gerido exclusivamente pelo Estado é uma bela de uma utopia. O setor fica paralisado pela gestão ineficiente que é bem característica do setor público. Tem uma interessante discussão nos EUA sobre a eficiência do setor público versus privado feito por Randall O'Toole:
https://www.youtube.com/watch?v=QqnERD7h3Fs continuar lendo

No Canadá funciona o transporte público gerido pela prefeitura. continuar lendo

Perfeito o texto!
Como dito, "não existe almoço grátis". O problema é a má alocação de recursos públicos. Não se faz manifestações, passeatas e discursos em razão dos R$ 3,20 (atuais R$ 3,00). A questão é pagar isso para ter um ônibus ou metrô superlotado, sem assentos, com vidros "pichados", com motoristas antipáticos e que não respeitam as leis de trânsito. Lógico que as coisa parecem melhorar agora, com ampliações do metrô em São Paulo e instalação de mais corredores de ônibus, mas muito mais precisa ser feito.
Olhem para Londres ou Nova Iorque, que têm um dos mais eficientes sistemas de transporte público, mas que são pagos (e não são baratos). Lá têm uma estação a cada quarteirão (modo de dizer), com espaço, conforto e sem preconceito de que transporte público "é coisa de pobre", como acontece no Brasil. Você divide o vagão com o operário e com um CEO de Wall Street, onde todos estão com tablets ou celulares nas mãos, sem riscos de assaltos.
O Brasil, definitivamente, precisa é aprender a gerir melhor os recursos públicos, pois uma coisa é fato: dinheiro não falta... continuar lendo

brasil nunca vai aprender a gerir recursos publicos, se voce acredita nisso vai cair do cavalo, por isso que tudo deve ser privatizado o quanto antes. continuar lendo

De fato, precismos de bons gestores, dinheiro não falta, concordo com você, mais corruptos também não falta, é o que tem demais... continuar lendo

jose barro (isso mesmo), vc é muito ignorante, ao privatizar tudo nao se esqueça que a carga tributária aumenta pois passam de empresa pública para empresa privada onde esta sujeita a todsa legislacoes tributarias e inclusive trabalhista que é diferente da estatutaria. vai estudar mais e para de defender ideologias sem estudo.
Privatizar é exceção NUNCA a regra. APRENDA ISSO.
o mesmo vale para o Ailton que caiu no fatalismo do destino, que pensa que so gestor privado é gestor eficiente. Sai da frente do PC e vai pra rua pesquisar mais. arrf!! paciencia pra tanta bobagem continuar lendo

"ao privatizar tudo nao se esqueça que a carga tributária aumenta pois passam de empresa pública para empresa privada onde esta sujeita a todsa legislacoes tributarias e inclusive trabalhista que é diferente da estatutaria."

Já que a legislação trabalhista atrapalha a iniciativa privada, então que se acabe com ela. continuar lendo

Sr Marc Will, apesar de concordar com você de que é falso dizer que privatizar é a panaceia universal, o regime tributário e trabalhista das empresas privadas e empresas públicas é exatamente o mesmo, CTN e CLT. Se fosse diferente, a Petrobrás não pagaria imposto, por exemplo. Ela paga, e muito. continuar lendo

Prezado Jean Lavalle, sinto-lhe dizer, mas o estado não paga imposto. Se você retira R$50 de um cofrinho em formato de porco e os coloca em um cofrinho do Mickey, continua tendo os mesmos R$50. O mesmo ocorre com a Petrobras, com as demais estatais e com os salários de funcionários públicos. Por exemplo, se um funcionário público "paga" R$1000 de imposto, isso quer dizer que o seu empregador (o estado) paga esses R$1000 para si próprio - ou seja, na prática, o dinheiro jamais chega a sair dos cofres estatais. continuar lendo

Excelente texto, conseguiu pontuar bem vários lados.
A grande maioria sempre esquece que dinheiro não surge do nada. continuar lendo